Sobre as ondas e de vento em popa: INESC TEC explora energias renováveis offshore em evento do EU-SCORES

Image

Entre o Porto e Viana do Castelo, com paragem na Póvoa de Varzim: foi assim que o INESC TEC acolheu três dias eletrizantes da terceira edição do evento “EU-SCORES Stakeholder Engagement Event”.


De 2 a 4 de julho, membros do consórcio do projeto EU-SCORES (European Scalable Complementary Offshore Renewable Energy Sources), representantes institucionais e políticos e outros participantes, exploraram os mais recentes desenvolvimentos de tecnologias multiuso para energia renovável offshore.

O projeto EU-SCORES, financiado pelo programa Horizonte Europa 2020 e liderado pelo DMEC (Dutch Marine Energy Centre), visa o desenvolvimento das tecnologias associadas à combinação das energias renováveis offshore - eólica, solar e das ondas, promovendo uma exploração eficiente do espaço marítimo.

Como membro do consórcio, o INESC TEC acolheu a mais recente edição do evento organizado no âmbito deste projeto. O primeiro dia começou no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP). Entre apresentações e dois painéis de discussão especializados, houve também um momento de visita ao laboratório de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC. Mas qual é a importância de se debater tecnologias multiuso offshore?

“Neste momento, a Europa está numa policrise: uma crise de biodiversidade, uma crise climática, uma crise de segurança – que inclui a segurança energética. Tudo isto está interligado e precisamos de encontrar soluções para enfrentar estes problemas”, salienta Benjamin Lehner, coordenador do projeto EU-SCORES.

O também Presidente do Conselho Executivo do DMEC reforça que a solução estudada pelo EU-SCORES passa por “explorar parques de energia renovável offshore multiuso”. “Estamos a combinar fontes de energia diferentes – das ondas, eólica e fotovoltaica – numa só plataforma, proporcionando uma construção mais rápida destas tecnologias”, sublinha.

Entre as vantagens desta solução, Lehner aponta haver “menor pressão sobre o ambiente e os diversos atores no mercado, uma vez que o espaço necessário é significativamente reduzido”. “E em termos de segurança, é um sistema mais confiável, porque todas estas tecnologias se complementam entre si.”

O primeiro painel focou-se na “Economia Local e Impacto Societário”, debruçando-se sobre o contexto da atividade económica portuguesa no mar, em campos como a pesca, administração pública, investigação científica, turismo e segurança.

Moderado por Eduardo Silva, investigador do INESC TEC, a discussão chamou a palco Miguel Marques, CEO da Skipper & Wool, João Leite, Presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar (APMSHM), Sandra Ramos, investigadora e líder da equipa de Ecologia de Peixes e Sustentabilidade no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), e Luís Quaresma, Tenente da Marinha Portuguesa.

“É evidente que para Portugal – na fronteira da Europa com o Atlântico - uma das soluções possíveis para a produção de energia limpa é o mar. Contudo, para isso, é preciso que todos colaboremos”, sintetiza Eduardo Silva. 

Apesar de as renováveis offshore apresentarem “aparentes melhorias na redução de impacto ambiental”, Sandra Ramos releva que “ainda se sabe pouco” sobre os efeitos exatos destes sistemas para os ecossistemas em que se inserem. “É preciso continuar a estudar. Temos de ter informação e adaptar os estudos de impacto ambiental, para passarmos dados concretos que auxiliem à tomada de decisão”, explica a investigadora do CIIMAR.

Por outro lado, o Presidente da APMSHM reforça a necessidade de cooperação interseccional nas indústrias do mar, apelando a um diálogo mais próximo com a comunidade piscatória. João Leite não deixa de apontar a relevância da aposta nas energias offshore, mas afere que, “em comparação, a pesca não tem sido ouvida”. “A pesca sustenta milhares de famílias, [mas] o setor tem sido um terceiro parceiro – e não um parceiro primário.”

O segundo painel de discussão centrou-se nos “Impactos das Cadeias de Valor Locais”, no qual se destacaram desenvolvimentos de tecnologia-chave para o mar, testes pré-comerciais e o papel dos setores dos portos, construção e da energia eólica e das ondas rumo a um futuro sustentável.

Antes de moderar a discussão, Luís Seca, membro do Conselho de Administração do INESC TEC, realçou a importância das várias iniciativas na economia do mar em Portugal: “É incontornável falar do sucesso do WindFloat Atlantic, o primeiro parque eólico flutuante comercial na Europa Continental, ou dos testes que temos vindo a fazer, com a CorPower Ocean, relativos à tecnologia de energia das ondas, no test site da CEO, na Aguçadoura”.

O debate que se seguiu contou com os testemunhos de Carlos Pinho, Presidente da Companhia de Energia Oceânica (CEO), Daniel Ribeiro, Gestor de Ativos da Ocean Winds (OW), Eunice Silva, Gestora Técnica de Projetos na CorPower Ocean, Ricardo Morgado, CEO da WAM Horizon, Filipe Martins, Diretor para a Inovação da Administração de Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), e ainda Eduardo Feio, Presidente do Porto de Aveiro. 

“As infraestruturas acabam por ter um papel central no desenvolvimento tecnológico e na inovação”, afirma Carlos Pinho. O presidente da CEO exemplifica que, no caso específico da Companhia de Energia Oceânica, “há um ambiente de convergência entre empresas e academia”, ao qual se juntam as “licenças próprias e adaptadas para fases de testes”.

“Este ecossistema permite acelerar o processo de aprendizagem, no qual se testa, se pode retirar [sistemas e estruturas do mar], corrigir e voltar a colocar e a testar. As empresas estão envolvidas num processo de descoberta, mas também com a academia por trás”, com vista à “otimização de todo o processo de gestão comercial”, detalha Carlos Pinho.

Ilustrando o caso da CorPower Ocean, Eunice Silva sublinha a importância de uma multiplicidade de parcerias com atores de variados setores da economia: “Para passar à fase comercial dos conversores de energia das ondas, precisamos de parcerias, tanto das autoridades portuárias, como da rede energética, além de toda a cadeia de offtakers”, isto é, as entidades que acordam adquirir a produção energética.

“Um grande desafio passa também por obter consentimento relativamente ao espaço marítimo onde o projeto vai ser desenvolvido”, refere a Gestora de Projeto da CorPower Ocean. Segundo Eunice Silva, dadas as várias entidades envolvidas, há uma necessidade de o “licenciamento e desenvolvimento de projetos sejam mais expeditos”, para mais facilmente garantir segurança e confiança junto dos potenciais investidores e compradores.

“O planeamento conjunto é um aspeto fundamental”, reforça Filipe Martins. O Diretor para a Inovação da APDL aponta que, face aos “processos de decisão morosos nos portos”, é “fundamental que os potenciais interessados comecem a falar antecipadamente com as entidades”, de modo a agilizar os processos de identificação de necessidades, tomada de decisão e execução de projetos.

Da cidade do Porto ao porto de Viana: onde se vê a aposta portuguesa na energia eólica offshore?

No segundo dia do evento, a comitiva prosseguiu viagem para Viana do Castelo. No porto desta cidade minhota, os participantes tiveram a oportunidade de visitar as instalações da CorPower Ocean em Portugal – um dos integrantes do consórcio EU-SCORES. Durante a manhã, os visitantes ficaram a saber mais sobre a atividade, os equipamentos e as tecnologias inovadoras da empresa, sobretudo no aproveitamento da energia das ondas.

De regresso ao ISEP, o período da tarde acolheu a secção de apresentações e discussões dedicada a um fórum de políticas públicas. A apresentação inicial de Sarah Kluge, Gestora de Projeto do DMEC, versou sobre o potencial de exploração das energias renováveis offshore na Europa. Dado o pontapé de saída, seguiu-se a primeira parte de um painel alargado sobre as “Perspetivas Nacionais sobre o Desenvolvimento de Renováveis Marinhas e Energia Eólica Offshore”.

Moderado por Inês Machado, investigadora e Diretora para o Ambiente Marinho e Licenciamento da WavEC, e Sander des Tombe, Embaixador para a Energia Marinha do DMEC, o painel acolheu os comentários de atores preponderantes do setor: Ana Alexandra Andrade, investigadora na Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Sjoerd van Dijk, Gestor Financeiro da RVO - Agência para o Empreendedorismo dos Países Baixos, Elva Bannon, responsável da equipa de Investigação e Engenharia da Wave Energy Scotland, e ainda Matthijs Soede, Responsável de Políticas Públicas da Direção-Geral da Investigação e da Inovação (DG-RTD) da Comissão Europeia.

Dando o exemplo escocês, Elva Bannon menciona que um dos desafios atuais passa pela introdução de energia das ondas em parques de energia eólica offshore “já atribuídos para exploração de outras entidades”.

O relativo ceticismo de empresas quanto à energia das ondas - “com provas ainda por dar” e com determinados riscos financeiros e tecnológicos associados -, leva a representante da Wave Energy Scotland a reforçar a importância da “presença de dispositivos de recolha de dados na água” para uma demonstração robusta da eficiência da introdução deste tipo de tecnologia em parques eólicos marítimos flutuantes.

Face aos desafios económicos e tecnológicos impostos, Ana Alexandre Andrade sugere que os governos poderão “ter um papel” na impulsão deste tipo de iniciativas. Entre outros exemplos, a investigadora da DGEG aponta a regulação de tarifas de exploração marítima mais atrativas ao investimento ou a “atribuição de apoios financeiros adaptáveis ao longo do projeto”.

Matthijs Soede também alerta para a necessidade de combater a “complexidade” dos investimentos em parques de energia renovável offshore multius. Para o Responsável de Políticas Públicas da Direção-Geral da Investigação e da Inovação da Comissão Europeia, a solução pode passar pela transferência de conhecimento, uma “partilha de experiências de sucesso, testes e integração de tecnologias validadas”.

“Já temos bastante conhecimento sobre parques eólicos flutuantes e há cada vez mais interesse em ir para além deste tipo de tecnologia. Já há uma base de confiança consolidada, mas temos de ser mais transparentes sobre o que está a correr mal e aquilo que tem corrido bem.”

A segunda metade da discussão chamou a palco outros nomes da área das energias renováveis offshore: Tom Woolley, Consultor para o Ordenamento Marítimo do Departamento de Ambiente, Clima e Comunicações da República da Irlanda, Jesse Verhalle, Adido Naval do Serviço Público Federal para a Saúde, Segurança da Cadeia Alimentar e Ambiente da Bélgica, André Couto, Chefe de Divisão de Monitorização Ambiental da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), e também Federico Navarro Cabrera, Inspetor de Segurança Marítima da Direção-Geral de Marinha Mercante de Espanha.

Como convergir preocupações com a biodiversidade marinha e as metas a alcançar na produção de energias renováveis offshore? “Conhecimento. É uma resposta simples”, atira André Couto. Segundo o responsável da Divisão de Monitorização Ambiental da DGRM, “tem-se colmatado a grande falta de conhecimento sobre o mar nos últimos anos”.

“O mercado, as organizações e as entidades governamentais têm a informação com a qual faremos uma gestão adaptável do espaço e do ordenamento marítimos. Deve ser um processo de melhoria constante, que nos permitirá gerar melhores resultados para todos nós”, remata.

Jesse Verhalle concorda, mas não deixa de ressalvar que os “30 anos de experiência em energia eólica offshore” ainda precisam de mais dados. “É relativamente difícil prever quando teremos conhecimento suficiente para a compreender totalmente.”

“Por outro lado, há um risco de olhar para a questão como uma equação matemática, em que certa percentagem tem de ir para energias renováveis offshore e outra quota parte para a proteção da biodiversidade marinha. É preciso ter em conta uma análise do ordenamento [marítimo] local”, refere o Adido Naval.

Uma excursão sobre as desafiantes ondas da Aguçadoura

Chegados ao terceiro e último dia da agenda, os participantes finalmente se aventuraram no mar. Na Póvoa de Varzim, o navio de investigação do INESC TEC - Mar Profundo - abriu as portas aos visitantes, numa demonstração clara do investimento consolidado do Instituto na I&D+I para o oceano.

Depois da visita ao navio de investigação, o grupo presente vestiu os coletes salva-vidas e navegou pela zona de testes da plataforma da Aguçadoura. Regressados à marina, os participantes fizeram nova e curta excursão até à subestação elétrica da Companhia de Energia Oceânica, onde puderam testemunhar os voos de teste de um drone da equipa de Robótica Marinha do INESC TEC.

Em entrevista ao DMEC, o investigador Bernardo Silva, responsável pela área de energias renováveis do INESC TEC, também aprofundou a idealização de parques híbridos de energias renováveis offshore e o papel do Instituto no projeto EU-SCORES. Poderá assistir à entrevista completa no seguinte vídeo:

Os investigadores do INESC TEC mencionados na notícia têm vínculo ao INESC TEC e ao IPP-ISEP.

Ver no website