INESC TEC e Missão de Portugal na ONU promovem reflexão sobre monitorização do mar profundo na Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos
Qual é a importância da monitorização da exploração do fundo marinho na sustentabilidade dos oceanos? Como é que a sustentabilidade das atividades humanas na Terra está intimamente ligada à transferência de conhecimento e de tecnologia à escala global? Estas e tantas outras questões estiveram em foco no evento promovido pelo Governo português e coorganizado pelo INESC TEC e pela Universidade de Évora na sede da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA).
Em Kingston, Jamaica, a equipa do TRIDENT – projeto liderado pelo INESC TEC para o desenvolvimento de tecnologias e processos de monitorização dos impactos no mar profundo – promoveu uma série de apresentações subordinadas ao tema “Tecnologias Inovadoras e Sistemas de Monitorização de Apoio às Políticas de Mar e Desenvolvimento de Regulação Baseado em Dados”.
O evento contou com as intervenções técnicas de investigadores do Instituto: Eduardo Silva, Investigador Principal do projeto TRIDENT, Betina Neves, Gestora de Projeto, e Pedro Madureira, professor da Universidade de Évora e antigo membro da Comissão Jurídica e Técnica da ISA – International Seabed Authority.
A sessão beneficiou ainda dos contributos de Maria Mendes, Conselheira Jurídica da Missão Permanente de Portugal junto da ONU, e Ulrich Schwarz-Schampera, Gestor de Programas dedicados à prospeção e exploração de recursos minerais da ISA.
Num ano em que Portugal “faz formalmente parte do conjunto de 36 países com assento no Conselho da ISA” – algo que “não acontecia desde 2008” -, o evento focou-se no “papel ativo que o país tem assumido na defesa e proteção do ambiente marinho e na transferência de conhecimento”, salienta Pedro Madureira. De acordo com o investigador, “o evento permitiu estimular uma discussão sobre sistemas de monitorização do ambiente marinho e os mecanismos de alerta precoce sobre os possíveis impactes das futuras atividades de exploração no suporte ao processo de decisão e proteção do ecossistema marinho”.
“Foi uma oportunidade para o INESC TEC promover o sistema de monitorização modular que o projeto TRIDENT visa desenvolver e que pode ser aplicado à futura exploração dos vários tipos de recursos minerais até agora identificados na Área [fundo marinho sob jurisdição da ISA] e em diferentes contextos geomórficos: nódulos polimetálicos nas planícies abissais, sulfuretos polimetálicos na vizinhança de cristas-médias oceânicas e crostas de ferro e manganês ricas em cobalto nos montes submarinos”, explica o também professor da Universidade de Évora.
Segundo Betina Neves, o TRIDENT é um “projeto único pela integração que faz das tecnologias para o mar profundo, pela filosofia de operação, pela conjugação dos novos elementos tecnológicos e sensores que apresenta e pela sua arquitetura robótica autónoma onde se destacam capacidades de comunicação, navegação e posicionamento dinâmico”.
A investigadora do INESC TEC prevê que as soluções promovidas consigam não só facilitar o acesso à informação, como também “ultrapassar dependências mais onerosas, como as de navios de suporte a operações de monitorização, working class ROVs [Veículos Operados Remotamente] e correspondentes tripulações permanentes”.
Nesse sentido, o TRIDENT preconiza uma “redução dos custos de monitorização de impacto ambiental, viabilizando este tipo de operações a nível financeiro, enquanto assegura uma presença prolongada no ambiente marinho, em constante operação, proporcionando toda a informação de forma transparente para as entidades oficiais e supervisoras”.
“As atividades de exploração devem servir para benefício da Humanidade”
Para Pedro Madureira, “a monitorização contínua do ambiente marinho é a única forma de aferir e, idealmente, prevenir que o impacte de eventuais futuras atividades de exploração de recursos minerais possa ter efeitos gravosos para os diferentes ecossistemas”. De acordo com o investigador, “é preciso não esquecer que a Área e os seus recursos minerais são considerados património comum da Humanidade”.
“As atividades de exploração devem servir para benefício da Humanidade como um todo, através da disponibilização de metais para a sociedade e da distribuição equitativa das mais-valias financeiras, económicas e outras que decorram dessas atividades”, reforça.
No entanto, o ‘estado da arte’ deste tipo de operações “é ainda relativamente primitivo”, aponta o investigador Eduardo Silva, realçando que “tem havido inúmeras inovações ao nível da tecnologia para o acesso e recolha de dados sobre o mar profundo, mas o desenvolvimento de sistemas de monitorização contínua, não só dos domínios mais profundos, mas também ao nível da coluna de água, é ainda incipiente”.
“Os custos são ainda elevados, estando ainda demasiadamente dependentes da utilização de navios de apoio ao lançamento [das tecnologias marinhas clássicas] que se encontram limitadas pelo fornecimento de energia, para que a aquisição de dados possa decorrer em intervalos de tempo mais longos e cobrindo áreas cada vez maiores”, corrobora.
A sustentabilidade dos mares começa em terra
Para além da apresentação do projeto e das recentes inovações em sistemas de monitorização e avaliação de impacto no fundo marinho, a transferência de conhecimento e de tecnologia para países subdesenvolvidos também esteve em evidência.
De acordo com Eduardo Silva, “a capacitação e transferência de tecnologia para países menos desenvolvidos são a base para a harmonização mundial de capacidades”. “Para que todos os países do mundo consigam aceder a benefícios de recursos naturais e a novas capacidades de construção”, acrescenta.
“Essas duas ações – de capacitação e de transferência de tecnologia -, no âmbito do Sul Global, passam por dar-lhes ferramentas para poderem aceder de forma equitativa aos recursos mundiais”, reforça o também Coordenador Científico do INESCTEC.OCEAN.
Para o investigador do INESC TEC, “só será possível chegar a um mundo equitativo quando os [países] mais desenvolvidos procurarem, na sua ação, ajudar e cooperar com os Estados e regiões em desenvolvimento”.
Mas como é que se torna possível a partilha de ferramentas para investigação oceânica sem ameaçar a sustentabilidade dos nossos mares? Segundo Eduardo Silva, a solução está… em terra.
“Atualmente, as pessoas olham para o oceano como uma solução, que se nós pusermos o oceano numa redoma estamos a criar condições para a sustentabilidade no mundo. Nada é mais falso”.
De acordo com o investigador do INESC TEC, “a sustentabilidade do mar tem de ser estudada e integrada na sustentabilidade da Terra”: “O futuro dos oceanos só será sustentável se todo o planeta tiver uma visão sustentável integrada”.
Os investigadores do INESC TEC mencionados na notícia têm vínculo ao INESC TEC, ao IPP-ISEP e à Universidade de Évora.
