Como se acelera a transição energética para o mercado? A 2ª edição do evento The Shape of Energy to Come tentou dar resposta
O setor energético enfrenta a maior transformação das últimas décadas e o INESC TEC quer liderar a discussão. A segunda edição do evento The Shape of Energy to Come reuniu cerca de 300 investigadores, empresas e decisores para discutir os temas que vão definir o futuro: redes mais inteligentes e resilientes, a revolução da mobilidade elétrica, a descarbonização industrial, o papel crescente da Inteligência Artificial e a necessidade de parcerias capazes de acelerar inovação real.
O auditório da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto foi o ponto de encontro de uma tarde que mostrou não apenas para onde caminha o sistema energético, mas também quem o está a construir. Que o diga o investigador do INESC TEC Gil Sampaio, dinamizador desta segunda edição do evento que se consolidou como um momento-chave para pensar a energia de amanhã. “Conseguimos, num só espaço, combinar perspetivas académicas, industriais e regulatórias, reunindo empresas parceiras, investigadores e especialistas internacionais. Esta colaboração estreita entre ciência, indústria e sociedade é absolutamente essencial, porque a energia do amanhã depende das decisões e das parcerias que fazemos hoje”, refere.
O futuro constrói-se a partir de projetos
“Não existe uma transição energética sólida sem uma colaboração forte. Essa colaboração tem de ligar a investigação à indústria, o progresso tecnológico às políticas públicas e, acima de tudo, a ambição à responsabilidade”. Foi assim que João Claro, presidente do conselho de administração do INESC TEC, deu início ao evento, destacando que o futuro da energia não se constrói a partir de especulação abstrata, mas sim a partir de projetos reais. Ao longo da sua intervenção, revisitou o contributo do INESC TEC em três grandes fases - a integração de energias renováveis, a digitalização e as redes inteligentes, e a democratização da energia - e sublinhou o papel crescente da Inteligência Artificial, tanto como ferramenta para tornar os sistemas energéticos mais eficientes e previsíveis, como enquanto novo fator de consumo elétrico que exige planeamento inteligente.
A Ricardo Bessa, investigador do INESC TEC, onde coordena o domínio de sistemas de energia, coube introduzir o keynote speaker, mas não sem antes explicar como é que o instituto pode estar no centro da transformação dos sistemas de energia, com exemplos concretos do trabalho e projetos desenvolvidos nessa área.
A intervenção de Georges Kariniotakis, Professor Catedrático na Mines Paris – PSL, abordou a rápida evolução dos sistemas elétricos, a massificação das energias renováveis e o papel crescente da inteligência artificial no planeamento, operação e reforço da resiliência da rede. O investigador explicou que, embora a previsão de produção renovável seja uma área já madura e amplamente utilizada pelos operadores desde os anos 1990, continua a existir margem significativa para melhoria, dado o impacto técnico e financeiro que grandes erros de previsão ainda provocam. “Estamos a caminhar para sistemas de energia cada vez mais complexos, e sem previsão avançada e inteligência artificial não será possível garantir uma operação segura, eficiente e economicamente sustentável”, referiu.
Karioniotakis reforçou também o valor da colaboração de longo prazo entre centros de investigação, como a que mantém com o INESC TEC há mais de três décadas, enquanto motor essencial de inovação aplicada.
O impacto real da colaboração entre empresas e investigação
O painel Shaping Innovation Together deu voz a várias empresas parceiras do INESC TEC, que partilharam experiências de cocriação tecnológica em áreas como previsão de consumo e produção, integração de renováveis, mobilidade elétrica, redes inteligentes, eficiência energética, engenharia industrial e gestão avançada de energia.
Ricardo Ferreira, em representação da Cooperativa Eléctrica do Vale do Este (CEVE), começou por lembrar que a colaboração tecnológica em soluções de eficiência e gestão energética permitiu uma apresentam resultados expressivos na redução de consumos em edifícios terciários e na expansão de sistemas de monitorização (mais de 10 mil instalações).
Do lado da EFACEC, Miguel Gomes destacou a parceria com o INESC TEC que se mantém desde os anos 90, focando a otimização de redes de transporte e distribuição, o desenvolvimento de módulos SCADA, entre outras tecnologias a ser usadas na Europa, América Latina e Norte de África.
A complexidade e os desafios associados aos clusters híbridos, com produção renovável combinada, foi a questão central da apresentação de Hugo Carvalho da Finerge.
Já Rita Rebelo, da E-REDES, explicou como tem sido possível evoluir o plano de investimento das redes de distribuição com o apoio das ferramentas desenvolvidas pelo INESC TEC que permitem estimar benefícios económicos, reduzir perdas, melhorar qualidade de serviço e justificar investimentos num sistema em rápida transformação.
A Elergone mostrou o papel crucial das previsões com Amândio Ferreira a sublinhar a importância de colaborar na criação de modelos mais exatos.
No final, a mensagem foi clara: a cocriação entre empresas e centros de investigação é essencial para a tomada de decisões mais robustas e para acelerar os processos de inovação.
Tecnologia made in INESC TEC
A segunda parte do evento foi dedicada a apresentações de investigadores do INESC TEC, que mostraram tecnologias emergentes desenvolvidas, algumas das quais já com aplicação direta no setor.
António Coelho reforçou a importância dos sistemas multi-energia para garantir flexibilidade e apresentou uma ferramenta de otimização industrial com capacidade de forecasting e otimização integrada.
Já o investigador Mikka Kisuule apresentou um foundational model para análise de redes elétricas que permite acelerar simulações de fluxo de potência, avaliar fiabilidade e gerar milhares de cenários de forma computacionalmente eficiente.
O futuro não é ter mais cabos, é implementar estratégias de carregamento mais inteligentes. Esta foi a premissa da apresentação de Salvador Carvalhosa que defende ser possível adaptar edifícios antigos à mobilidade elétrica sem obras profundas, recorrendo-se como alterativa a algoritmos de gestão que coordenam o equilíbrio entre as necessidades e conforto dos utilizadores e as limitações da instalação elétrica do edifício.
Justino Rodrigues discutiu como as atuais redes AC enfrentam desafios perante a cada vez maior integração de renováveis, veículos elétricos e armazenamento, e como redes híbridas AC/DC podem triplicar a capacidade, reduzir perdas e eliminar limitações estruturais.
A apresentação de Zenaida Mourão mostrou que a descarbonização industrial não é apenas necessária para cumprir as metas climáticas nacionais e europeias, mas também a opção certa para o futuro das empresas. A partir do caso do setor agroalimentar português, o roadmap apresentado identifica tecnologias e etapas até 2050, evidencia o enorme custo de nada fazer e destaca que a próxima fase passa por adaptar estratégias setoriais à realidade local de cada fábrica. Em suma, descarbonizar significa melhorar processos, aumentar eficiência e garantir competitividade.
O legado e o futuro
O discurso de João Peças Lopes na sessão de encerramento, funcionou como a materialização prática das ideias apresentadas por Georges Kariniotakis: “a transição energética já não é uma promessa futura: é uma realidade operacional que exige ferramentas avançadas, regras claras e um sistema elétrico preparado para funcionar com grandes volumes de energia renovável”.
O diretor do INESC TEC traçou um retrato da evolução recente dos sistemas de energia, com particular enfoque no caso português, mostrando como a transição energética deixou de ser uma visão futura para se tornar uma realidade operacional. João Peças Lopes explicou ainda que as centrais renováveis deixaram de ser elementos passivos, passando a prestar serviços essenciais à rede, como controlo de tensão e serviços de sistema, num quadro regulatório cada vez mais rigoroso. “Hoje, as centrais renováveis não servem apenas para produzir energia; são parte ativa do controlo da rede, contribuindo para a estabilidade e a segurança do sistema elétrico”.
A intervenção fez ainda uma reflexão sobre a importância de aprender com eventos recentes - como é o caso do apagão de 28 de abril na Península Ibérica - e de continuar a reforçar a resiliência do sistema elétrico, aproveitando a flexibilidade disponível tanto do lado da produção como do consumo.
Os investigadores mencionados na notícia têm vínculo ao INESC TEC e à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
